AJURMOC- ASSOCIAÇÃO DE LETRAS JURÍDICAS DE MONTES CLAROS/MG
EVENTOS CULTURAIS
LITERATURA JURÍDICA COMO ARTE E TÉCNICA: CONVITE À REFLEXÃO CRÍTICA E INOVADORA
27 de julho de 2021 - 23:00 hs
Richardson Xavier Brant

A criação de uma Associação de Literatura Jurídica, como um espaço comum de convívio, interação e apoio mútuo, inspirou-se no propósito de produzir o Direito de um modo mais simples, sem tanta afetação, mais afeito às tradições históricas e culturais de nossa Terra Tupiniquim e da Região Norte-Mineira.


Marca a posição de não se contentar tão somente com a reprodução, tantas vezes acrítica, do Direito posto e imposto. Concilia-se com o ideal de produzir e contribuir para relações sociais justas, menos desiguais, legítimas. Postura que tenha na devida conta a necessidade de romper com uma lógica meramente formal, desatenta – não raro – ao défice grave mostrado por uma racionalidade material, mais reflexiva.


Os valores da Justiça e da Dignidade da Pessoa conjugam-se nesse objetivo, e fornecem um fio lógico no pensar, sentir e fazer do jurista engajado socialmente, sensível às necessidades do outro, empático.


Sobressai nesse compromisso um ideal de vivência jurídica mais próximo de uma realidade dura e sofrida, genuína e autêntica, que reconheça e evidencie a coragem e desassombro do homem comum. Quanto mais desfavorecido da fortuna, mais resistente e destemido. Quanto mais dura a vida, mais resiliência e solidariedade. Este é o sertanejo forte das Minas e das Gerais, homem comum do povo, generoso, e sempre cheio de esperança. Contente com o que conquista, grato pelo que recebe, quase sempre feliz com o pouco que tem!


O uso técnico da linguagem jurídica faz parte do dia a dia de cada operador do Direito. O domínio da técnica passa por longo ciclo de formação, atualização e permanente aperfeiçoamento em face de gradativa e inelutável transformação do contexto social. Mas, o Direito há de ser comunicado também para essa gente que não teve escolaridade, nem por isso sabe menos da vida e de suas venturas e desventuras, e da simplicidade que se forma nesse cadinho de experiências e vivências.


A transmissão da tradição construída no campo do Direito, objeto do ensino jurídico, traduz um esforço de reflexão, aprendizagem e leitura, documentada na produção de textos, no discurso veículo da escrita. O diálogo franco e sem peias norteia um Direito mais vivo, reduz a distância, forja fraternos vínculos de respeito e amizade.


O Direito como técnica traduz um caráter notadamente científico. O que se busca, neste campo, é o esclarecimento de fenômenos propriamente jurídicos, ligados invariavelmente à cognição de indissociáveis áreas afins. Figuram próximas, e inseparáveis, a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia, a Economia e a Filosofia. Todos esses espaços do saber são mencionados a título de exemplo, e não excluem outros.


Esta complexa interdisciplinaridade desafia o estudioso, e traduz uma orientação constante voltada a relacionar, compatibilizar e integrar a tradição jurídica com o campo mais amplo da vida em sociedade. A inovação surge como aprendizagem aplicada, construtiva, que se torna inventividade na vivência da reflexão. O saber prático, indicado na prudência, constitui o Direito em seu campo de aplicação.


Em uma visão mais pragmática, o Direito constitui-se no transcurso da vida em sociedade, na dinâmica das relações sociais. Estas, em longo caminho histórico-evolutivo, estabelecem determinados parâmetros de convivência, tanto no conflito quanto no consenso. E devem ser iluminados neste percurso pelo indeclinável dever de respeito mútuo, consideração e realização dos valores da igualdade e da liberdade.


O Direito pode ser compreendido, neste outro viés, como expressão de arte, o jurista como artífice, um autorizado avalista, de uma convivência solidária, justa e fraterna. Os dramas e as aventuras humanas da existência, no cruzamento de histórias de vida, aparecem em narrativas sempre inusitadas e fascinantes. Originais no sentido mais precioso da expressão e da narrativa literária.


Livros, filmes, contos, crônicas, vivências humanas simples, compõem um acervo diversificado e fecundo que constrói e informa um itinerário rico de inventividade, criatividade e resistência. O texto ficcional que imita, recria, e transforma os fatos e personagens da realidade histórica reúne em zona de penumbra as fronteiras entre o real e o imaginário. Imbricam-se aí, em tensão permanente, o ser e o dever-ser. Forjam-se, na luta cotidiana, as possibilidades do vir-a-ser. O futuro e o novo se constroem aqui e agora: hic et nunc!


No campo promissor das letras, na literatura jurídica e, em geral, as relações humanas, aparecem sem os limites e contingências da concretude do real, afiguram-se em alguma medida menos determinadas, divertida e democraticamente anárquicas. Aparecem como pontes do imanente ao transcendente. Tornam possíveis caminhos, passagens de um presente indesejável a um futuro viável por meio do sonho humano e de seus acalentos mais sublimes.


Um sonho sonhado junto é o princípio de nova realidade, já dizia Miguel de Cervantes Saavedra. Nascido em 1547 e falecido em 22 de abril de 1616, o espanhol Cervantes deixou essa frase no famoso “Dom Quixote”. E é de Dom Helder Câmara, pontífice em reconhecimento e autoridade, a proposital lembrança de que “A maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes de pensar”. Eis fortalecido o ideal de escrever, ler, refletir e propor-se a pensar de modo autônomo, sem sobrecargas de um neocolonialismo intelectual a superar.


Sim, sonharmos isso juntos, eis nosso desafio! Nosso mundo deve ser menos perverso e cruel, pode ser mais humano, decente e solidário!


A força do simbólico no Direito, e na vida comum, aparece nítida na concretude da existência, na facticidade tantas vezes desconcertante do real, em cores vivas, permeando o cotidiano do homem de carne e osso. E também, nesse plano, aparece o esboço de um mundo com mais felicidade, qualidade de vida, na realização plena e possível, sem exclusão alguma, de todas as pessoas.


O vir-a-ser constrói-se na arte, pois o futuro aguarda aquilo que as lições do passado inspiram. Aqui e agora, no presente da existência, desenha-se a semeadura de um mundo novo, renovado pelo ideal de um rico aprendizado construtivo, que a arte edifica e torna possível. Faz-se visível o esboço, desenha-se e torna-se mais nítido o sonho!


Técnica e arte, sem perder o brilho do contraste da oposição, guardam relações de complementaridade. Nos esforços e iniciativas de compreensão, no empenho renovado de encontrar soluções cada vez mais justas e inclusivas, no equilíbrio viável de realização plena da dignidade de cada pessoa.


Estou tentado a dizer, sem me ocupar com a impressão de imodéstia, que são esses os nossos elevados propósitos! Este é um singelo convite para uma contribuição, para escrevermos como, e o que podemos e queremos construir juntos!


Deixo expresso o desejo profundo de que os afetos da nossa Confraria da Associação de Letras Jurídicas de Montes Claros, temperados pela celebração da arte da escrita, possam incitar nossa inquietude intelectual, e que possamos juntos fazer deste sonho de um mundo melhor o princípio estruturante de uma nova realidade!